10 / 06 / 19

Uma revolução monetaria! Conheça a micromoeda mais bem-sucedida da Europa .

Não demorou muito desde minha chegada a Bayonne, na França, para perceber que esta cidade ribeirinha de ruelas medievais sinuosas, intercaladas por casas estreitas de madeira, é um tipo diferente de País Basco.

O País Basco francês conta com pouco menos de 300 mil habitantes, comparado aos mais de dois milhões de bascos espanhóis, com quem compartilham idioma e cultura. Além de ser ofuscada por seus parentes a apenas 40 km ao sul, aqui no sudoeste da França, a ikurriña, como é chamada a bandeira basca, é visivelmente menos frequente. Até mesmo o onipresente jamón, amado nos dois lados da fronteira, tem aparência e gosto próprios.

Nomes de lojas, cardápios de restaurantes e sinais de trânsito são esmagadoramente escritos em francês, em vez de em euskara (o idioma basco), o qual, diferentemente da Espanha, não é oficialmente reconhecido na França. Senti em Bayonne que a “francesidade” do lugar supera qualquer patriotismo basco que possa estar compreendido nele.

“Nossa língua está prestes a desaparecer. Todo mundo fala francês”, lamentou Dante Edme-Sanjurjo, morador de Bayonne. “Os jovens estão aprendendo basco em escolas privadas e públicas, mas o problema é que eles não o usam. Há uma relutância em falar basco quando se dirige a alguém que não conhecemos; é um idioma privado que eles não compartilham em público”.

Orgulho basco

Bayonne faz parte do País Basco da França e tem menos de 300 mil habitantes — Foto: AlamyBayonne faz parte do País Basco da França e tem menos de 300 mil habitantes — Foto: Alamy

Bayonne faz parte do País Basco da França e tem menos de 300 mil habitantes — Foto: Alamy

Inspirado em trazer o orgulho basco de volta à região, em 2013, Edme-Sanjurjo e cerca de uma dezena de voluntários lançaram uma micromoeda equivalente ao euro. Seu objetivo era revigorar o entusiasmo por suas raízes culturais e linguísticas e manter o dinheiro dentro da região franco-basca, apoiando as empresas locais.

Avancemos para outubro de 2018, e sua micromoeda, o eusko, alcançou o equivalente a €1 milhão (R$ 4,4 milhões) em circulação, tornando-se o mais bem sucedido de tais experimentos monetários na Europa, de acordo com o jornal The Local.

Hoje, 17 governos municipais e 820 lojas, empresas e associações no País Basco francês aceitam o eusko como meio de pagamento legal. A Euskal Moneta, organização liderada por Edme-Sanjurjo que gerencia e imprime a moeda, diz que duas a três novas contas eusko estão sendo abertas diariamente.

As empresas participantes são incentivadas a tornar suas lojas bilíngues.

“Encorajamos os empresários a aprender algumas palavras de saudação em basco e/ou ter tantos cartazes em língua basca na loja quanto possível, e fornecemos a tradução gratuitamente graças a subsídios públicos”, disse Edme-Sanjurjo. “Isso permite que os jovens vejam o basco na vida pública e não se envergonhem mais dele”.

Embora a ideia de imprimir seu próprio dinheiro possa parecer radical, o conceito de micromoedas está longe de ser novidade. De fato, o eusko foi inspirado no chiemgauer, uma micromoeda que está disponível na região de Chiemgau, na Alta Baviera, Alemanha, desde 2003. Hoje, existem entre 10.000 e 15.000 micromoedas operando em todo o mundo, incluindo cerca de 60 na França, que as legalizou em 2014.

A maioria das moedas locais ativas na Europa está disponível apenas em uma escala muito pequena – tão pequena que até mesmo alguns moradores locais sequer sabem que existem. Por exemplo, há a libra de Brixton no sul de Londres e o recém-lançado pêche (pêssego) parisiense. O País Basco espanhol também tem várias moedas locais em operação, como o ekhi, mas nada forte o suficiente para rivalizar com o eusko.

O que parece isolar o eusko é sua adaptabilidade. Quando as contas virtuais de eusko foram lançadas em 2017 – tornando-a a primeira moeda local francesa a oferecer notas digitais e físicas, segundo Edme-Sanjurjo – o ritmo de sua adoção acelerou. Hoje, 60 mil euskos estão sendo trocados com o euro a cada mês, de acordo com a Euskal Moneta, o que atraiu a atenção de outras comunidades europeias na esperança de reproduzir o sucesso da micromoeda francesa basca.

“O Instituto da Economia Circular do País de Gales está preparando um relatório para o governo galês. A federação belga de financiamento alternativo, que apoia mais de 20 moedas locais belgas, também está em contato com a Euskal Moneta. E somos regularmente contactados sobre projetos em moeda local de toda a Espanha”, disse Jean-René Etchegaray, prefeito de Bayonne e presidente da Comunidade Municipal Basca.

Mas consagrar uma nova micromoeda está longe de ser fácil e, como explicou Edme-Sanjurjo, é preciso muito trabalho para persuadir o público cético.

“No início [introduzir o eusko] foi bem difícil”, lembrou Edme-Sanjurjo. “Ninguém sabia sobre moedas locais. Eles diziam: ‘Então você quer que eu use outra moeda? Graças ao euro, acabamos com o franco e a peseta, e agora você quer mudar de novo?’. Ele era estranho e não muito bem-vindo à primeira vista”.

Circulação expressiva

Mas o eusko atingiu rapidamente a massa crítica, alcançando uma circulação relativamente grande no pequeno universo das micromoedas. “Nos primeiros seis meses de seu lançamento, o eusko se tornou a moeda local mais forte da França”, lembrou Edme-Sanjurjo.

Embora a maioria dos cartazes de loja ainda esteja em francês, os visitantes que chegam a Bayonne também podem ver cartazes verdes em francês e euskara: “Aceitamos eusko aqui”.

Há duas maneiras de obter o eusko. Primeiro, você pode abrir uma conta com a Euskal Moneta, pagando uma taxa anual mínima de €12 (R$ 52) e escolhendo uma associação local para apoiar, como uma empresa, a escola de idioma basco ou um clube de futebol infantil. Então, sempre que o novo membro troca euro por eusko, a associação selecionada recebe um bônus de 3% do valor trocado, o que Edme-Sanjurjo chama de “benefício coletivo”.

O objetivo do eusko é devolver o orgulho basco à região — Foto: AlamyO objetivo do eusko é devolver o orgulho basco à região — Foto: Alamy

O objetivo do eusko é devolver o orgulho basco à região — Foto: Alamy

Eu escolhi trocar meu euro por eusko no Escritório de Turismo de Bayonne em Grand Bayonne (os viajantes também podem fazer isso em vários outros lugares) por uma taxa de €2 (R$ 8,70). As notas foram entregues com uma lista de lojas participantes e um pequeno dicionário basco.

Foi a única vez que vi um endereço de site “‘ponto-org” em uma nota de banco, e as notas pareciam mais com papel do que com qualquer outra moeda que eu tenha manipulado. Isso não significa que o eusko não seja autêntico, no entanto. Existem vários recursos de segurança, incluindo tinta laranja fluorescente, uma tira de metal e, como moedas impressas pelo governo, uma medida que é mantida em segredo do público para frustrar a falsificação.

Isso porque garantir o dinheiro protegerá seu valor como um ativo econômico alternativo, assim como os benefícios que ele oferece à comunidade. Na Poloko Hiriondo Ikastola, a escola imersiva de euskara, em Bayonne, 19 das 58 famílias pagam suas dívidas com o eusko. Para uma pequena escola de 82 crianças, o impacto é real: os benefícios do programa eusko chegam a € 1.000 (R$ 4.390) por ano, o que é destinado à compra de livros, papelaria e refeições mais saudáveis para os estudantes.

Os proprietários de empresas que aceitam o eusko também são incentivados a usar o idioma euskara além do francês — Foto: AlamyOs proprietários de empresas que aceitam o eusko também são incentivados a usar o idioma euskara além do francês — Foto: Alamy

Os proprietários de empresas que aceitam o eusko também são incentivados a usar o idioma euskara além do francês — Foto: Alamy

“O eusko é uma ferramenta importante para apoiar a cultura”, disse a diretora Maia Duhalde. “Ele encoraja a sociedade a aprender euskara fora das escolas. Esta maior visibilidade do euskara encoraja, assim, todos a aprendê-lo, ou, entre aqueles que já o conhecem, a praticá-lo mais”.

Como acontece com outras moedas locais, a Euskal Moneta programou o sistema para encorajar ou gastar eusko, que pode ser negociado de volta para o euro a uma taxa de 5%, o que incentiva os detentores a manter dinheiro na economia local.

“Quase 84% das empresas nunca trocaram o eusko de volta para o euro. Elas sempre encontram uma maneira de usá-lo com outros negócios locais de eusko”, comentou Edme-Sanjurjo, sentado ao lado do rio Nive em um dia sem nuvens em Bayonne.

“Na França e no País Basco, acreditamos em ‘vivre et travailler au pays’ – ou seja, o direito de viver e trabalhar onde você nasceu. Na nossa área, não há fábricas ou grandes universidades, então temos que desenvolver atividades para as pessoas, para que elas não tenham que sair para trabalhar em outro lugar”, disse ele, com suas sobrancelhas grossas e negras afundando em exasperação enquanto falava.

Benefícios financeiros

Todos os donos de lojas que aceitam o eusko em Bayonne com quem conversei deram como primeiro motivo para adotar o eusko os benefícios financeiros que dele provém.

Sentei-me em torno de uma mesa de cerâmica baixa em uma rua comercial no lado mais novo de Bayonne do outro lado do rio Adour, uma via navegável que deságua no Atlântico, com Christelle Ksouri Perez, proprietária da L’Ambre Bleu, uma loja repleta de obras de arte decorativas. Ela começou a aceitar o eusko havia apenas duas semanas e contou que o fez para “apoiar os comerciantes locais e para a redistribuição do mercado local”.

O eusko foi feito para manter o dinheiro circulando na economia local — Foto: AlamyO eusko foi feito para manter o dinheiro circulando na economia local — Foto: Alamy

O eusko foi feito para manter o dinheiro circulando na economia local — Foto: Alamy

Sentado em sua frente, Serge Lamiscarre, dono da loja de artigos vintage Intramuros Bayonne, disse que passou a adotar o eusko um ano antes para “sair do sistema capitalista e oferecer algo diferente”.

“Ele cria uma comunidade e novas ligações entre as pessoas”, acrescentou.

Eu não podia sair sem entender melhor seus sentimentos sobre o separatismo, sempre o elefante branco na sala no País Basco. “Algum de vocês quer alcançar um estado basco independente?”, perguntei.

Nesse momento, como se fosse uma sugestão, o tiro de rifle saiu de uma encosta atrás de nós. Ele vinha de uma base do Exército Nacional Francês, um grupo de soldados praticando em um campo de tiro.

Todos riram nervosamente. “Eu não apoio a independência”, Ksouri Perez deu como resposta.

“Eu não estou pronto para isso agora”, acrescentou Lamiscarre.

Sentado em frente a Lamiscarre e Ksouri Perez, percebi que, apesar das mudanças que o eusko trouxe, a vida aqui ainda é esmagadoramente francesa e muito mais seria necessário para reviver qualquer espírito basco remanescente que pudesse estar por trás disso.

“Estamos começando a ouvir mais euskara no dia a dia, mas isso está longe de ser suficiente”, Edme-Sanjurjo depois me contou. “Temos que deixar as pessoas orgulhosas de falar basco e motivar os recém-chegados a aprender e ensiná-los a seus filhos. É assim que eles fazem na Catalunha. Vai levar algumas décadas, mas vamos trabalhar duro para isso”.

Fonte: BBC

10 / 06 / 19

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